sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Conversão : De Cipriano "O Bruxo" a Cipriano " O Santo"...

O Feiticeiro.

Filho de pais pagãos e muito ricos, Cipriano nasceu em 250 d.C. na Antioquia,região situada entre a Síria e a Arábia, pertencente ao governo da Fenícia. Desde a infância, Cipriano foi induzido aos estudos da feitiçaria e das ciências ocultas como a alquimia, astrologia, adivinhação e as diversas modalidades de magia.Após muito tempo viajando pelo Egito, Grécia e outros países aperfeiçoando seus conhecimentos, aos trinta anos de idade Cipriano chega à Babilônia a fim de conhecer a cultura ocultista dos Caldeus. Foi nesta época que encontrou a bruxa Évora, onde teve a oportunidade de intensificar seus estudos e aprimorar a técnica da premonição. Évora morreu em avançada idade, mas deixou seus manuscritos para Cipriano, dos quais foram de grande proveito. Assim, o feiticeiro dedicou-se arduamente, e logo se tornou conhecido, respeitado e temido por onde passava.

A Conversão de São Cipriano.

Vivia em Antióqia uma donzela por nome Justina, não menos rica do que bela, a quem seu pai Edeso e sua mãe Cledônia educaram com muito cuidado nas superstições do paganismo. Porém Justina,dotada como era, de um claro engenho, assim que ouviu as pregações de Prailo, diácono de Antióquia, abandonou as extravagâncias gentílicas e, abraçando a fé cristã, conseguiu converter aos poucos os seus próprios pais. Constituída cristã, a ditosa virgem tornou-se ao mesmo tempo uma das mais perfeitas servas de Jesus Cristo, consagrando-lhe a sua virgindade e procurando adquirir todos os meios de conservar essa delicada virtude, para cujo efeito observava cuidadosamente a modéstia entregando-se às orações e ao retiro. Não obstante isto, vendo-a, um pobre mancebo, de nome Aglaide, lhe captou tanto os agrados, que logo pediu a seus pais para esposa, ao que eles deram consentimento; e só não pôde obter o consenso da própria Justina. Aglaide então procurou então Cipriano, o qual, com efeito, empregou todos os meios mais eficazes da sua diabólica arte para satisfazer ao namorado amigo. Ofereceu aos demônios muitos abomináveis sacrifícios e eles lhe prometeram o desejado sucesso, investindo logo a donzela com terríveis tentações e horríveis aparições demoníacas. Porém ela, fortalecida pela graça de Deus, que tinha merecido com orações contínuas, perseverança e Fé.Indignado Cipriano por não poder vencê-la, se levantou contra o demônio, que estava presente, e lhe falou desta maneira: "Pérfido, já veio a tua fraqueza, quando não podes vencer a uma delicada donzela, tu, que tanto de jactas do teu poder de obrar prodigiosas maravilhas! Diz-me logo de onde procede esta mudança, e com que armas se defende aquela virgem para deixar inúteis os teus esforços?"

Cipriano e Justina
Então o demônio, obrigado por uma divina virtude, lhe confessou a verdade, dizendo-lhe que o Deus dos cristãos era o supremo Senhor do Céu, da Terra e dos infernos; e que nenhum demônio podia obrar contra um autentico cristão."Pois se isso assim é, replicou Cipriano, eu sou bem louco em não me dar ao serviço de um senhor mais poderoso do que tu. E assim, se a Fé cristã, te faz fugir, não quero já servir-me dos teus prestígios, antes renuncio inteiramente a todos os teus sortilégios, esperando a bondade de Deus de Justina que haja de me admitir por seu servo." Irritado então o demônio de perder aquele por meio do qual fizera tantas conquistas, se apoderou do seu corpo. Porém (segundo Gregório) foi logo obrigado a sair, pela graça de Jesus Cristo, que estava senhor do seu coração. Teve pois, Cipriano, de manter vigorosos combates contra os inimigos de sua alma; mas o Deus de Justina, a quem ele sempre invocava, lhe valeu com o seu auxílio e o fez ficar vitorioso. Concorreu também muito para este efeito o seu amigo Eusébio, a quem Cipriano procurou logo, e disse com muitas lágrimas: "Meu grande amigo, chegou para mim o ditoso tempo de reconhecer meus erros e abomináveis desordens, e espero que o teu Deus, que já confesso ser o único e verdadeiro, me admitirá no grêmio dos seus íntimos servos, parar maior triunfo da sua benigna misericórdia." Muito satisfeito Eusébio por uma tão prodigiosa mudança abraçou afetuosamente o seu amigo e lhe deu muitos parabéns pela sua heroica resolução, animando-o a confiar sempre na infalível verdade do puríssimo Deus, que nunca desampara os que sinceramente o procuram. E assim fortificado, o venturoso Cipriano pôde resistir com valor a todas as tentações diabólicas. Para este efeito, Cipriano estava sempre em oração e não mantinha só nos lábios mas no coração o sacrossanto nome de Jesus. Vendo, pois, os demônios inteiramente frustrados todos os seus artifícios, aplicaram o seu esforço maior em o tentar de desesperação, propondo-lhe com viveza de espírito estes e outros tais discursos e reflexões:

"Que o Deus dos cristãos era sem dúvida o único Deus verdadeiro, mas que era um Deus de pureza, um Deus que punia com severidade extrema ainda os menores crimes, de que a maior prova eram eles mesmos, que por um só pecado de soberba foram condenados a uma pena extrema."Como haveria perdão para eles, que pelo número de gravidade das suas culpas tinha já um lugar preparado no mais profundo do inferno? E que, portanto, não tendo misericórdia que esperar, cuidasse em se divertir, satisfazendo à rédea larga todas as paixões da sua vida."

Na verdade esta tentação veemente pôs em grande perigo a salvação de Cipriano. Mas o amigo Eusébio, a quem ele se referiu, o animou e consolou, propondo-lhe em eficácia a benigna misericórdia, com que Deus recebe e generosamente perdoa aos pecadores arrependidos, por maiores que sejam os seus pecados. Depois o mesmo Eusébio o conduziu à assembléia dos fiéis, onde se admitiam as pessoas que desejavam instruir-se em tão luminosos mistérios. Afirma o próprio São Cipriano, no livro da sua Confissão, que à vista do respeito e piedade de que estavam penetrados os fiéis, adorando o verdadeiro Deus, o tocou vivamente no coração. Diz ele: "Eu vi cantar naquele coro os louvores de Deus e terminar cada verso dos salmos com a palavra hebraica Aleluia; tido com atenção tão respeitosa e com tão suave harmonia, que me parecia estar entre os anjos ou entre os homens celestes." No fim da função admiraram-se os assistentes de que um tal presbítero, como era Eusébio, introduzisse a Cipriano naquele sagrado congresso. E o mesmo bispo, que estava presidindo, muito mais o estranhou, porque não julgava sincera a conversão de Cipriano. Porém, ele dissipou logo essas dúvidas, queimando, na presença de todos, os seus livros de mágica, e introduzindo-se no número dos catecúmenos, depois de haver distribuído todos os seus bens aos pobres. Instruído, pois Cipriano, e com suficiente disposição, o bispo o batizou, e juntamente a Aglaide, apaixonado de Justina, que, arrependido da sua loucura, quis emendar a sua vida e seguir a fé verdadeira. Tocada Justina destes dois exemplos da divina misericórdia, cortou os seus cabelos em sinal de sacrifício que fazia a Deus da sua virgindade, e repartiu também pelos pobres todos os bens que possuía. Cipriano, depois disto, fez maravilhosos progressos nos caminhos do Senhor; e sua vida ordinária foi um perene exercício na mais rigorosa penitência. Via-se muitas vezes na igreja, prostrado por terra, com a cabeça coberta de cinza, rogando a todos os fiéis que implorassem para ele a divina misericórdia. E para mais se humilhar e suprimir a sua antiga soberba, obteve, a força de muitos pedidos, que lhe desse o emprego de varredor da igreja. Ele morava em companhia do presbítero Eusébio, a quem o respeitou sempre como a seu pai espiritual. E o divino Senhor que se digna ostentar os tesouros da sua clemência sobre as almas humildes e sobre os grandes pecadores verdadeiramente convertidos, lhe concedeu a graça de realizar milagres. Isto junto a sua natural eloqüência concorreu muito para converter à fé um grande número de idólatras, servindo-se para isso do famoso escrito da sua Confissão, na qual, fazendo públicos os seus crimes e enormes excessos, animava a confiança, não só dos fiéis, mas a dos maiores pecadores.

A morte de São Cipriano.

 
Martírio de Cipriano e Justina
Entretanto, o nome de São Cipriano o seu zelo e as numerosas conquistas que fazia para o reino de Jesus Cristo não podiam ser ignoradas dos imperadores. Diocleciano, que então se achava em Nicomédia, informado das maravilhas que realizava Cipriano, e  da virgem Justina, passou ordem para serem presos, o que logo executou o Juiz Eutolmo, governador da Fenícia.
Conduzidos pois à presença desse juiz, responderam com tanta generosidade e confessaram, com tanta eficácia, a Fé em Jesus Cristo que pouco faltou para converterem o ímpio bárbaro. Mas, para que não se julgasse que ele favorecia os cristãos, mandou logo açoitar, com duas cordas, a Santa Justina, e despedaçar com pentes de ferro as carnes de  Cipriano tudo com tamanha crueldade que até aos mesmos pagãos causou horror! Vendo então o tirano que nem promessas nem ameaças, nem aquele rigoroso suplício, nada abatia a firme constância dos generosos mártires, mandou lançar a cada um em uma grande caldeira cheia de pês, de banha e cera a ferver. Mas o prazer e a satisfação, que se admirava no rosto e nas palavras dos mártires, davam bem a conhecer que nada padeciam com aquele tormento. E o caso é que até se percebia que o mesmo fogo, que estava debaixo das caldeiras, não tinha o mínimo calor. O que visto por um grande sacerdote dos ídolos, grande feiticeiro, chamado Athanásio (que algum tempo fora discípulo do mesmo Cipriano), julgando que todos aqueles prodígios procediam dos sortilégios do seu antigo mestre e, querendo ganhar nome e reputação maior entre o povo, invocou os demônios com suas cerimônias mágicas e se lançou deliberadamente na mesma caldeira donde Cipriano foi extraído. Porém, logo perdeu a vida, e se lhe despregou a carne do osso.

Produziu este fato um novo milagre a historia de Cipriano, e esteve para haver naquela cidade um grande motim a seu favor. Intimado, pois, o juiz tomou partido de enviar os mártires a Diocleciano, que estava por esse tempo em Nicomédia, informando-o, por escrito, de tudo o que se havia passado. Lida que foi a carta do governador, mandou Diocleciano que, sem mais formalidades dos processos dos costumes fossem degolados Cipriano e Justina; o que se executou no dia 26 de setembro nas margens do Rio Galo, que passa pelo meio da referida cidade. E chegando naquela ocasião um bom cristão chamado Teotiso a falar em segredo a Cipriano, foi Teotiso condenado logo a ser também degolado. Era esse venturoso homem um marinheiro que, vindo das costas da Toscana, desembarcara próximo a Mitínia. Os seus companheiros, que eram todos cristãos, tendo notícia daquele sucesso, vieram de noite apreender os corpos dos três mártires e os conduziram a Roma onde estiveram ocultos em casa de uma pia senhora, até que no tempo de Constantino, o magno, foram transladados para a Basílica de São João Latrão. Os manuscritos de Cipriano e os apontamentos da bruxa Evora, que foram encontrados na sua velha arca, foram levados para Roma e arquivados no Vaticano.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Tapa na Orelha : Oskord, (Antiga Holy Blood) Folk/UmBlack Metal ucraniano.

Oskord surgiu em 2008, após a saída de todos os membros (com exceção do vocalista e líderFedir Buzylevych) da banda de folk/black/death metal Holy Blood. Tais integrantes eram: o guitarrista Serhiy "Mozart" Nahorny, o baixista Oleksiy "Axxent" Andrushenko e o baterista Dmytro Titorenko.

O motivo da saída deles foi por uma desentendimento com o líder Fedir. Após 5 anos juntos, todos os membros decidiram por unanimidade retirarem o tecladista Vlad Malitsky, devido a sua falta de disciplina e sua relação irresponsável com a missão da banda. Então, Fedir propôs que sua esposa, Vira Kniazeva, poderia ocupar a vaga de tecladista (ela já havia cooperado com a banda de 2001-2005, antes de sua saída).

Mas os demais membros (Serhiy, Oleksiy e Dmytro) não concordaram com essa oferta. No entanto, após o retorno da banda à Ucrânia (seu país de origem), Fedor informou a todos os integrantes que Vira agora fazia parte da banda. Houve, então, 2 reuniões em que essa questão foi discutida, na tentativa de encontrar uma maneira de resolverem esse problema. Apesar dos demais integrantes afirmarem que não permaneceriam na banda se Vira se juntasse a eles, Fedir permaneceu firme em sua decisão. Assim, Serhiy, Oleksiy e Dmytro não tiveram outra escolha a não ser deixar o Holy Blood.

Num comunicado oficial, os ex-membros do Holy Blood anunciaram:

"Estamos a procura de um vocalista e um guitarrista para continuar nossa missão de servirmos a Deus, com um novo nome. Estamos cheios de potencial, energia e criatividade. Como antes, contamos com o apoio dos fãs e em breve vocês poderão ouvir algo da nova banda."

 "E sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito". 
(Romanos 8:28)

Nesse meio tempo, enquanto Fedir recrutava novos músicos e lançava o (ótimo)"Shining Sun" em 2010, com o Holy Blood.... a nova banda, agora chamada Oskord, ganhara seu primeiro reforço, Andrey Yakovenko, que tocara flauta algumas vezes com o Holy Blood em seus shows.

Em setembro de 2009, o Oskord 
encontrava seu vocalista, Grigory Nazarov, da banda Coram Deo. E em 10 de julho de 2010, a banda fazia sua primeira apresentação no festival Total Armageddom.2011 marca o lançamento de seu 1º CD, "Weapon of Hope", lançado pela Soundmass (a mesma das bandas MalchusSynnöveMartyr's Shine eTerraphobia).

"Oskord" é uma antiga palava Eslavo, que significa armas afiadas na forma de um grande machado com cabo longo. A Bíblia diz muito sobre armas espirituais: "Colocar a armadura de Deus, para que sejais capazes de permanecer firmes contra as astutas ciladas do diabo"(Efésios 6:11). 

A Bíblia também diz que a espada do Espírito é a Palavra de Deus, e "não temos que lutar contra carne nem sangue, mas contra os principados e potestades desse mundo"(Efésios 6:12).
"Se estiver embotado o ferro, e não se afiar o corte, então se deve pôr mais força, mas a sabedoria é proveitosa para dirigir" (Eclesiastes 6:12).

"Queremos que o nosso machado espiritual esteja sempre afiado e pronto para a batalha!" são as palavras da banda...





Oskord Tube:






                                                                       Oskord - Fire on the mountain 



                                                                                            Weapon of Hope (2011) [Full Album]

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Cinema : La vie et passion de notre seigneur Jesus Christ (1903)

Cartaz do filme com data de 1905
Os amantes do cinema clássico, sobretudo os mudos, ficarão felizes com conferir esse que foi um dos primeiros longas a retratarem a história de Jesus Cristo. Produzido pela Pathé Frères, "Vida e Paixão de Jesus Cristo" tinha inicialmente dezoito quadros, que posteriormente foram ampliados para trinta e dois.

Com subtítulos que dividem a história em capítulos (Anunciação, natividade...), o longa é bastante didático e traz algumas curiosidades.  Alguns historiadores relutam em considera-lo um longa justamente pela subdivisão em capítulos, mas o fato é que na época em que foi lançado, 44 minutos era um feito para um filme. 


Cena da crucificação
Dirigido por Lucien Nonguet e Ferdinand Zecca, sua estréia ocorreu em 1903, chegando à América no ano seguinte. Era um daqueles filmes que passavam anualmente durante o período de páscoa em muitos cinemas.  Além de tudo o filme traz algumas peculiaridades. Ele foi colorido na época com um processo Pathéchrome, patenteado por Pathè e que consistia em colorir as imagens em movimento com uma base de estêncil. Este é o mesmo filme que é exibido no cinema de Cabaceiras em "O Alto da Compadecida" um grande sucesso nacional.


Basicamente ele era realizado em preto e branco e pintado sobre uma base nas cores escolhidas. Louis B. Mayer chegou a dizer que era um dos filmes que o influenciou a entrar para o ramo do cinema. Mas o fato é que ele, apesar da fama, chegou a ser considerado um filme perdido durante muitos anos. 

Litografia de Gustave Doré

Finalmente em 1932 uma cópia foi encontrada. Desta, foi reimpressa, desta vez em tons vermelho-matizado. A trilha sonora utilizada nesta versão foi assinada por James C. Bradford. Desaparecido por duas décadas, quando foi julgado perdido, foi relançado em 1932 após uma cópia ser encontrada. No entanto, o filme foi impresso em papel vermelho-matizado, trazendo uma trilha sonora de James C. Bradford, que também fez trilhas para filmes conhecidos como O Filho do Shiek (1926) e General (1926), de Buster Keaton. "Vida e Paixão de Jesus Cristo"  teve imagens influenciadas pelas gravuras do ilustrador Gustave Doré.







O filme:La vie et passion de notre seigneur Jesus Christ (1903)




segunda-feira, 1 de agosto de 2016

História : Os judeus e o descobrimento do Brasil.

Para compreendermos a situação, o caráter do judaísmo brasileiro e sua diversidade, devemos nos reportar ao seu passado mais longínquo, uma vez que os judeus estiveram presentes no território efetivamente desde sua descoberta.O papel exercido pelos judeus na expansão e nas descobertas marítimas de Portugal é bastante conhecido, sendo que uma múltipla bibliografia encontra-se à disposição dos interessados no tema. A grande mudança deu-se no tempo de D. Henrique, cognominado o Navegador, quando este monarca, interessado pelas ciências cosmográficas, resolveu reunir em Sagres peritos e sábios que associassem seus conhecimentos à arte da navegação. Entre eles, destacava-se um mestre, Jacome, maiorquino, conhecido como “el judio de las brujulas” e sobre o qual pouco sabemos.


O desenvolvimento do astrolábio, o aperfeiçoamento da bússola, das cartas marítimas e dos instrumentos náuticos foi um primeiro passo, ao qual se seguiu a criação da Junta dos Matemáticos, no tempo de D. João II, que incluía os nomes de José Vizinho e mestre Rodrigo, ambos físicos da Real Câmara, o alemão Martim Behaim e o cartógrafo Moisés. Vários destes sábios eram judeus, que se empenharam em descobrir um novo cálculo para as latitudes, pois os navegantes que naquela época se guiavam pela estrela Polar, somente podiam fazê-lo até a linha do Equador, pois após transposta esta última, a estrela perdia-se de vista e mergulhava no horizonte. Ao simplificar o astrolábio planisférico, eles produziram o astrolábio náutico e logo mais teriam as tabelas do Almanach Perpetuum que possibilitavam o cálculo das latitudes pela declinação solar, que por sua vez permitia uma orientação também para os navegantes que se dirigiam ao hemisfério sul.

O aperfeiçoamento dos instrumentos náuticos e o preparo de navegantes como Bartolomeu Dias, Duarte Pacheco e outros capitães, que integravam a frota de Pedro Alvares Cabral, permitiu a descoberta deliberada e não fortuita, de acordo com os historiadores, da terra brasileira. O fato dos judeus desempenharem um papel ativo na ciência náutica ibérica, como cartógrafos, astrônomos, ou então intérpretes, conselheiros e financistas no período no qual efetivamente se dá a formação do império português, ou seja, no século XV, permite compreender também a sua presença, agora como cristãos-novos, no Brasil. O decreto de expulsão e a conversão forçada de 1496-7 dispersaram os judeus de Portugal, levando-os para além da península ibérica, a outros reinos, acompanhando o movimento de colonização e intercâmbio marítimo que se deu com a descoberta das novas rotas para a Ásia e a instalação de entrepostos na África.

Estandarte do Santo Oficio  (Inquisição)
A instalação oficial do Santo Ofício em Portugal, em 1536, estimulou a saída dos conversos e seus familiares para outros lugares, mais seguros, longe dos olhos da Inquisição, como o recém-descoberto Brasil. A necessidade urgente do elemento colonizador favorecia certa tolerância para com aqueles que pretendiam continuar na fé judaica, conquanto esta não fosse manifestamente visível. O primeiro cristão-novo veio com a frota do descobrimento, em 1500. Era o notável intérprete Gaspar da Gama, que recebera o batismo daquele que lhe dera o nome, Vasco da Gama, o famoso navegador das Índias.

Desse modo, podemos dizer que judeus, ou melhor, cristão-novos, e entre eles judaizantes, encontram-se entre as primeiras levas de colonizadores no Brasil. Logo após a descoberta, o comércio é arrendado a um grupo de mercadores interessados no pau-brasil, utilizado na tinturaria, e outros produtos da terra. Este grupo, liderado por Fernando de Noronha, ou Loronha, tende a ser indicado pelos historiadores como composto em parte por cristãos-novos, sem que se possa ter provas maiores de tal origem, a não ser por documentos, como a carta de Piero Rondinelli, escrita em Sevilha em 3 de outubro de 1502, e a Relação de Lunardo da Chá Masser, de 1506, no qual o autor transcreve o nome “Firnando dalla Rogna, cristian novo”.

A divisão do Brasil em capitanias hereditárias, doadas aos ilustres fidalgos e capitães portugueses, permitiu uma colonização mais sistemática da terra que recebia, entre outros, também os cristãos-novos. Estes últimos passaram a ser um elemento importante na economia açucareira introduzida no território brasileiro na região do nordeste do país, provavelmente pelas ilhas de S. Tomé ou da Madeira.

Judeus portugueses a caminho do martírio
A introdução da Inquisição em Portugal em 1536 provocou a saída dos cristãos-novos daquele reino também em direção ao Brasil, geograficamente muito distante e, junto a degredados comuns, eles passam a ser exilados no imenso território que demandava gente para assegurar ao império colonial português, então em formação, a posse da colônia. Em vista da necessidade de povoamento do Brasil como uma política obrigatória para garantir o domínio do reino português em sua colônia, há boas razões para crer que o Santo Ofício teria que fazer vista grossa ao que aqui se passava, o que também explica o fato da Visitação inquisitorial ter chegado somente mais tarde em território brasileiro.

Martirio de um judeu português
O rigor persecutório da Inquisição tornou-se maior devido à unificação de Portugal e Espanha em 1580, sendo que onze anos após, a aparente frouxidão que caracterizava a vida religiosa no Brasil modificou-se inteiramente. Em 26 de março de 1591 era nomeado o licenciado Heitor Furtado de Mendonça como visitador de São Tomé, Cabo Verde, Brasil, incluindo as capitanias da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Parahiba, e a administração de S. Vicente e do Rio de Janeiro. Pouco após chegar à Bahia, em junho de 1591, começou sua atividade inquisitorial publicando uma carta Monitória e um Têrmo de Graça, no qual davam-se trinta dias para a população fazer confissões e denunciar outras pessoas. Exigia, especialmente, a delatação de hábitos sexuais condenados pela Igreja, exercício de bruxaria, ofensas à instituição eclesiástica, bem como o culto de outras religiões, ou seja, a luterana ou a judaica, visando assim aos
judaizantes cristãos-novos que já deveriam ser objeto de queixas das autoridades pela prática do judaísmo em segredo bem antes da Visitação.

Quais eram essas práticas? Pelo conteúdo da Carta Monitória redigida em 1536 por Dom Diogo da Silva, por ocasião da instalação da Inquisição em Portugal, sabemos que se referia a:

1) observância do sábado, que se revelava pelo descanso, o uso de roupa limpa ou festiva ou de joias, limpeza da casa na véspera, preparo da comida para o dia seguinte, acendimento de velas novas na sexta-feira, deixando-as queimar até o fim da noite, e a realização de qualquer rito referente ao dia de Sábado;

2) matança de aves e animais de acordo com o ritual judaico, ou seja, testar e experimentar o fio da faca na unha, incisão no pescoço dos animais, sangramento e cobertura do sangue com terra;

3) não comer carne de certos animais e peixes, toucinho, lebres, coelhos, aves doentes, enguias, polípodes, congros, raias, qualquer peixe sem escamas e outros alimentos proibidos aos judeus;

4) observância dos dias de jejum judaicos, incluindo o mais importante no mês de setembro, no qual a abstenção é total até que as estrelas surjam no céu, andar sempre descalço nesse dia, observar o jejum da rainha Esther, bem como jejuar o dia inteiro todas as segundas e quintas-feiras;

5) celebrar os dias de festa judaicos, ou seja, a do pão ázimo, dos tabernáculos e do shofar, ingestão de pão ázimo e o uso de panelas e tigelas novas na Páscoa;

6) recitar preces judaicas, voltar-se para a parede durante a recitação das preces, baixar e levantar a cabeça durante a prece, de acordo com a tradição judaica, o uso dos filactérios;

7) recitar os salmos de penitência omitindo o Gloria Patri, et Filio, et Spiritu Sancto;

8) tratar e sepultar cadáveres guardando luto segundo o costume judaico, comer em mesas baixas durante o luto, banhar e vestir defuntos com roupa de linho, vestindo-os com camisolas e cobrindo-os com mortalhas dobradas à guisa de capas, enterrar o falecido em solo virgem e em sepultura bem funda, cantar a litania de acordo com a tradição judaica como parte do ritual de luto, colocar uma pérola ou uma moeda de prata ou ouro na boca do defunto destinados ao pagamento de sua primeira pousada, cortar as unhas do defunto, esvaziar moringas, potes de barro e demais vasilhas de água, após a morte de uma pessoa como expressão da crença de que a alma do defunto viria ali se banhar, ou que o anjo da morte ali estivesse lavando a espada com que a golpeara;

9) colocar ferro, pão ou vinho em jarros ou cântaros na véspera de S.João e na noite de Natal, simbolizando a crença de que, nessas ocasiões, a água se transformava em vinho;

10) dar a bênção às crianças de acordo com a tradição judaica, impondo as mãos sobre suas cabeças, passando-as sobre suas faces sem entretanto, fazer o sinal da cruz;

11) circuncidar os meninos e atribuir-lhes, em segredo, nomes judaicos;

12) raspar o óleo e o crisma após o batismo das crianças.

Além dessas referências, a Carta Monitória exigia que fosse denunciada qualquer pessoa, judeu ou mouro, que tentasse converter cristãos velhos ou novos ao islamismo ou judaísmo, assim como aqueles que possuíam bíblias em vernáculo, as quais deveriam ser entregues ao visitador para exame.