A intolerância não significa simplesmente
discordar daqueles que pensam ou agem de maneira diferente de nós – o
que é perfeitamente aceitável –, mas fazê-lo com um espírito de rancor,
agressividade e desrespeito pela dignidade humana. Com freqüência a
intolerância tem ligação com o poder. O intolerante utiliza alguma
situação de força para ferir e esmagar aquele que se encontra em
desvantagem ou fragilidade. Na área religiosa, esse comportamento
consiste em suprimir ou limitar a liberdade de consciência, expressão e
associação no âmbito da fé. Ao longo da história, a igreja tem sido
palco de muitas manifestações dessa natureza, o que exige uma reflexão
cuidadosa por parte dos cristãos.
Nos primeiros séculos, o período das
perseguições promovidas pelo Estado romano, a atitude predominante entre
os cristãos foi pacifista e conciliadora. No entanto, a partir do
início do 4º século, com a união entre a Igreja e o Estado, tomou vulto a
intolerância contra indivíduos e grupos considerados heréticos. A
princípio, as penas impostas consistiam em banimento, prisão e confisco
de bens. Posteriormente, começou a se utilizar a espada contra os
dissidentes. As primeiras pessoas a serem executadas por heresia na
história do cristianismo foram o bispo espanhol Prisciliano e seis
simpatizantes, decapitados por ordem do imperador Teodósio I no ano 385.
Poucas décadas mais tarde, o notável bispo e teólogo Agostinho, que
inicialmente defendeu a conversão dos cismáticos por meio de argumentos
verbais, apoiou o uso da coerção estatal contra o movimento donatista,
no norte da África. Um dos textos bíblicos a que recorreu foi Lucas
14.23, onde ocorre a expressão “obriga a todos a entrar”.
Durante a Idade Média, na luta contra grupos
heterodoxos como os cátaros e os valdenses, a igreja criou o temido
tribunal da Inquisição, estabelecido formalmente pelo papa Gregório IX a
partir de 1231. Esse método de investigação, geralmente confiado aos
dominicanos e aos franciscanos, incluía denúncias anônimas, uso de
tortura para obter confissões, presunção de culpa do acusado e entrega
ao poder secular para a queima na fogueira ou punições mais brandas. Um
caso famoso foi a execução do pré-reformador João Hus, em 1415. Em 1478
foi criada a Inquisição Espanhola, controlada pelo Estado, que
sobreviveu oficialmente até o início do século 19. Além de heresia,
outros delitos sujeitos a punição eram a feitiçaria e a conversão
insincera, no caso dos judeus.
Na época da Reforma Protestante, a Igreja de
Roma foi intolerante com os protestantes, utilizando contra eles não só a
Inquisição, mas guerras religiosas e massacres, como o da noite de São
Bartolomeu (1572), na França. Lamentavelmente, os protestantes muitas
vezes também foram agressivos em relação a católicos e a outros
protestantes, como os sofridos anabatistas. Um caso frequentemente
citado foi a execução na fogueira do médico espanhol Miguel Serveto
(1553), em Genebra, sob a acusação de negar a doutrina da Trindade.
Fatos como esses geraram forte antipatia contra o cristianismo na Europa
dos séculos 17 e 18, o que contribuiu para o surgimento do Iluminismo e
seu ideário secularizante.
A intolerância deve ser distinguida da
genuína disciplina cristã. O Novo Testamento deixa claro que a igreja
tem o dever de preservar a fé e manter elevados padrões éticos entre os
fiéis. Para isso, muitas vezes há necessidade de repreensão e correção.
Todavia, a disciplina cristã, adequadamente entendida, tem um propósito
pastoral e terapêutico, e não punitivo ou repressor. O coração humano é
enganoso e suas motivações frequentemente não são puras. É muito fácil,
sob pretexto de fazer a vontade de Deus, ultrapassar alguns limites e se
deixar levar por um espírito vingativo e pela falta de amor.
No século 21, o cristianismo tem sofrido
horríveis manifestações de intolerância em muitas partes do mundo. Isso
não dá aos cristãos o direito de agir da mesma maneira em relação a
outros grupos, dentro ou fora da igreja. Cristo ensinou que seus
seguidores nunca deveriam se valer de métodos violentos, violadores da
consciência e da dignidade humana, mesma na defesa de seus valores mais
elevados. Como diz a Epístola de Tiago: “A ira do homem não produz a
justiça de Deus” (1.20). Porém, não apenas isso. Os cristãos também
devem se precaver contra formas sutis de agressividade, principalmente
através de palavras e atitudes más, porque, além de erradas em si
mesmas, podem servir de prelúdio para manifestações mais destrutivas.
Por: Alderi Souza de Matos.
Por: Alderi Souza de Matos.
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