Gérson o "Canhotinha de ouro" |
Amigos,
Gérson foi um grande jogador de futebol. Seus lançamentos, visão de jogo e
talento eram de encher os
olhos. Eu nem era nascido naquela época, mas graças à televisão pude ver anos
depois a célebre
jogada deste craque na final da Copa de 70, no México, na qual ele, juntamente
com outras feras do
calibre de Pelé, Rivelino, Jairzinho e Clodoaldo, sagrou-se campeão: bola no
meio de campo.
Gérson olha para
o campo de ataque e faz um lançamento primoroso, de mais de 40 metros, no peito
de Jairzinho. Ele mata
a bola e fuzila o goleiro italiano.
Gérson
foi um dos destaques daquela campanha invicta e gloriosa. Estava no auge da sua
carreira. Jogaria
ainda muitos anos em grandes times do Brasil. Se jogasse nos dias de hoje, em
muito pouco tempo
teria sido negociado para a Europa e ganharia muitos milhões de euros com seu
futebol acima da média.
Ele tinha
outra paixão além do futebol. Esta não era tão nobre e não deveria arrancar
aplausos da torcida. Mas
naquele tempo, era comum e até glamouroso atletas aparecerem em público com o
cigarro na boca.
Muitos técnicos de futebol ficavam na beira no campo ou no banco de reservas
fumando um maço atrás do
outro para aliviar a tensão do jogo. E foi assim que Gérson, o “canhotinha de
ouro”, acabou estrelando
na TV uma campanha publicitária para uma marca de cigarros. Ele dizia algo
assim, com seu carregado
sotaque carioca: “O imporrrrrtante é levarrrrr vantagem em tudo, cerrrrrto? Por
isso é que eu
fumo os
cigarros tal”. Pronto. Estava promulgada a "lei de Gérson". Levar
vantagem em tudo.
O episódio estigmatizou
o jogador, que até hoje não gosta de falar a respeito do assunto.
O fato é
que a lei ficou. No Brasil, aplica-se a lei de Gérson bem antes de Gérson nascer.
A coisa é tão forte que
quando alguém acha um dinheiro na rua que não lhe pertence e devolve, ele vira
celebridade. Vai fazer
até comercial na televisão, dá entrevista, recebe homenagem do governo. Só por
ter feito o que deveria
ser feito.
A lei de
Gérson começou no Brasil-colônia. Os amigos da Coroa, as capitanias
hereditárias, a história das grandes
fortunas (é uma ingenuidade achar que todos os que são ricos no Brasil é só
porque trabalharam.
Há outras
explicações, bem ignóbeis e irreveláveis), dos conglomerados financeiros e mais
recentemente das
empreiteiras que superfaturam, das concessões de estradas e telefonias, que
pegam tudo de graça, com
financiamento do governo para “comprar” o que já está feito e cobrar o que não
oferecem. O importante
é levar vantagem. Mas não parou aí.
Continua
a manifestar-se no nosso dia-a-dia. Por exemplo, na onda pós-moderna dos
guardadores de carro,
que cobram por um serviço que você não pediu, ameaçam os que se recusam a pagar
e só estão por perto na hora
de receber a “gorjeta compulsória”. Ou seja, nada produzem para o país, são
verdadeiros parasitas
das cidades e acham maravilhoso o quanto são espertos. Viva o Gérson!
Semana
passada levantou-se uma discussão no mundo do futebol por causa de um gol que
não aconteceu,
mas que o juiz deu. O jogador, que já lamentava o gol perdido, levantou-se e
comemorou normalmente
como se o gol fosse legal.
A maioria dos jogadores ouvidos posteriormente achou
normal a atitude
do companheiro de profissão. Sem contar as inúmeras simulações de faltas e
pênaltis que acontecem
em todos os jogos.
Os
políticos (inclusive a bancada “evangélica”, que não me representa
absolutamente, embora eu seja um “evangélico”)
mudam de partido como quem muda de camisa. São eleitos por um partido, recebem
os votos da
legenda e depois revoam para outros ninhos. Tudo normal.
Todo
mundo já tentou de um jeito ou de outro aplicar a lei de Gérson. Esse dias fui
a uma formatura em que os
formandos em dado momento se indignaram com uma professora, porque segundo eles
na aula dela era
impossível responder chamada pelos colegas que não estavam presentes.
E era
para ser? Claro! Quem
nunca fez isso na classe e achou que era tudo “normal”?
Quer
dizer, a tal mania de levar vantagem, de lucrar a qualquer preço e a qualquer
custo, que nada mais é do que
uma falta absoluta de senso de justiça, criou uma sociedade onde tudo,
absolutamente tudo, se justifica.
O sujeito empresta um CD, risca inteirinho, e devolve na caixinha, sem falar
nada.
O motoqueiro bate no
seu espelho e vai embora. Claro, ele não é trouxa de parar e arcar com o
prejuízo. E as pessoas contam
isso dando risada, achando que são espertas.
De alguma
maneira, a lei de Gérson permeia a própria igreja de Cristo. Não são poucos os
cristãos que agem
assim como seus concidadãos não cristãos. Estamos vivendo em um cristianismo
onde tudo se justifica.
Claro que isso não é privilégio da igreja brasileira. Em outras terras isto
acontece também.
Mas aqui
parece que além de acontecer, a gente acha bonito. Aqui, se
um irmão é dentista, a gente acha que ele é obrigado a tratar os nossos dentes
de graça, porque
é irmão.
Se ele é médico, ele tem que nos atender sem cobrar nada. Se ele é advogado,
tem que mover os
processos na faixa, porque é irmão. Se tem uma sorverteria, tem que dar sorvete
de graça para os nossos
filhos. Se tem um lava-rápido, tem que lavar nosso carro toda semana e até
passar o “pretinho” no pneu. Se
tem dinheiro, tem que emprestar para a gente que não tem, sem esperar de volta.
Se tem uma casa na
praia, tem que deixar a gente escolher as datas que a gente quer primeiro para
as nossas férias. Claro que
não vamos pagar nada. Afinal, se ele tem casa na praia é porque tem dinheiro
para as despesas.
Se tem um almoço na faculdade, a gente paga. Mas se o almoço for na igreja, tem
que ser de graça. E
por aí vai...
Abaixo a
lei de Gérson! Porque senão ela vai nos levar cada vez mais para baixo.
Pensando
bem:
Numa
sociedade onde todos querem levar vantagem, todo mundo acaba levando prejuízo.
Comercial dos Cigarros VilaRica de 1976:
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