quarta-feira, 3 de junho de 2015

Vicios : Entendendo um pouco sobre o vício e algumas saídas.




Os primeiros relatos de vício como algo danoso vêm do Oriente e datam do século 16, em livros sobre o uso de ópio. Neles, havia uma vaga concepção de “perda de controle voluntário do hábito”, que mais tarde no Ocidente seria chamada de “abuso”. A ideia de vício como doença é construção do século 19. Antes disso, não existia uma entidade médica que o designasse. Ficar de porre todos os dias, por exemplo, não era visto como enfermidade. No máximo o bebum era alguém mau-caráter ou a quem faltava autocontrole, mas não existia uma palavra para a compulsão pela bebida. Nem por qualquer outra coisa.
 
O alcoólatra só veio ser chamado assim em 1804, quando Thomas Trotter publicou o Essay Medical, Philosophical and Chemical on Drunkeness, que chamou a atenção mundial para a condição patológica à qual o viciado estava submetido. Pouco tempo depois, houve uma confluência política, cultural e social que fez do vício o que conhecemos hoje: uma condição primária, crônica, com fatores genéticos, psicológicos e ambientais, caracterizada por comportamentos que incluem falta de controle e busca compulsiva e continuada (apesar de danos visíveis) pelo prazer momentâneo; hábito que fere o viciado ou os que com ele convive, a perda do controle sobre o próprio comportamento. 

O termo “Adição” (addiction, em inglês) deriva da palavra latina que designava, no Roma antiga, o cidadão livre que fora reduzido à escravidão por dívidas não pagas. A edição atual do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) evita o termo pelo estigma que ele traz consigo. 

Qual a causa do vício?


Há fatores de risco, como situação econômica, conflitos familiares, estresse etc. Mas de todas as coisas que eu falar aqui, a que tenho mais certeza é de que um vício não se forma de um único fator, que ele é resultado de uma combinação de elementos.
Há, na camada mais básica, o fator genético envolvido [Glantz, M. & Pickens R. Vulnerability to Drug Abuse. Washington, DC: American Psychological Association]. Estudos comprovam que é mais fácil se tornar viciado quando se tem algum parente próximo que sofra do mesmo mal. Mas pessoas que têm forte história familiar podem não se viciar, portanto, o critério da Genética sozinho não consegue explicar a adição.
Depois se tem o componente psicológico. Freud foi o primeiro a descrever o papel do vício no que ele chamava de “Economia da Libido”, a força vital que nos move, segundo seu pensamento. Para ele, era o caminho mais rápido para obtenção de prazer e afastamento da dor. Em suas palavras,
“O serviço prestado pelos veículos intoxicantes na luta pela felicidade e no afastamento da desgraça é tão altamente apreciado como um benefício, que tanto indivíduos quanto povos lhes concederam um lugar permanente na economia de sua libido”.

O comportamento aditivo ocorre dentro de um contexto social (casa, bairro, comunidade, escola, trabalho) que influencia diretamente no desenvolvimento de problemas com o abuso de substâncias. Pessoas que experimentam preconceito, discriminação ou marginalização devida à cultura, à raça, à identidade sexual ou a outros fatores, como estresse e pressão no trabalho, tendem a encontrar uma saída para lidar com sentimentos de trauma ou isolamento social e acabam caindo na adição.
Há ainda estudos que relacionam transtornos mentais (como depressão e ansiedade) em algum momento da vida com o abuso de substâncias. Mais da metade dos viciados tem problemas mentais associados.
Mas nem tudo está perdido. Há os fatores protetores. Ter um papel na sociedade, laços familiares fortes, metas e sonhos faz com que as chances de se viciar diminuam. Era de se esperar.

A Interação do Cérebro com o Vício:


O cérebro tende a manter aquilo que faz bem, que dá prazer. Pessoas usam álcool e drogas, por exemplo, para se sentir bem. É uma troca rápida de recompensas e isso as faz repetir a dose. Todas as substâncias e comportamentos com poder aditivo estimulam a liberação de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer, especialmente na via mesolímbica. 

Coisas diárias como comer, beber ou fazer sexo liberam a tal dopamina. Todas elas têm chances de virar vício, mas há aquelas substâncias que causam um tsunami de dopamina no pobre do cérebro, causando desequilíbrio. Ele, então, desenvolve tolerância a tanta dopamina, o que pede doses maiores e diminui o estoque do neurotransmissor, causa da sensação de abstinência quando não se tem o estímulo que causou o desequilíbrio.
Quando menos se espera, já se está viciado. 

A Saída:


Todos aqueles que se percebem como viciados são candidatos à cura. Daí a primeira pergunta sempre é “Como eu posso mudar de vida?”. 

Mudança é a chave. 

Para alguns, a resposta vem sozinha e de maneira natural; mas para outros, ajuda externa é necessária, porque não existe uma abordagem universal para o tratamento do vício. Infelizmente.
Cada um precisa de ferramentas específicas para lidar e vencer a luta contra o vício. A maneira menos difícil de encontrá-las é identificando o tipo de problema e o que o causou. Depois é só caminhar no sentido inverso. Isso pode requerer ajuda profissional, em alguns casos.
Mas há a boa notícia. É possível se curar sozinho, meu amigo. 
Comece explorando as causas que te fizeram começar o que hoje é um vício, planeje metas para redução da frequência do uso ou hábito. Somada a isso, aqui vai uma dica valiosíssima: não vá direto contra a correnteza, mas nade na diagonal. Ou seja, não mude radicalmente (porque muito possivelmente haverá uma recaída), mas comece com pequenas mudanças e vá avançando até ter o controle. 

A Mudança:


Ela é mandatória para quem quer se livrar do vício. É normal sentir-se inseguro quanto a isso. Ninguém tem um manual de como mudar. Como dizia CS Lewis, o próprio ir faz o caminho. 
Eu acredito nele. 
Portanto, não siga padrões pré-estabelecidos. Encontre seu próprio caminho, depois siga estas estratégias práticas para a mudança e a manutenção dela:

1. Se você não tem certeza de que vai mudar, não desespere. Anote as vezes que você não conseguir e voltar ao vício e escreva onde você estava, como você estava se sentindo no momento e com quem você estava. Isso vai dar uma clareada sobre a importância do vício em sua vida. Você vai ver que ele não é tão importante assim;
2. Pergunte a amigos ou familiares sobre como eles se sentem em relação ao seu vício;
3. Escreva os prós e contras da mudança em sua vida;
4. Seja sincero consigo mesmo e avalie de modo racional o que você vai precisar para mudar;
5. Pense no que é mais importante para você. Mais cedo ou mais tarde vai ser preciso escolher entre a mudança ou o vício;
6. Organize metas;
7. Procure suporte de outros;
8. Continue a se lembrar do porquê de ter começado a mudança;
9. Dê a você mesmo recompensas por ter mudado (claro que com coisas que não tenham a ver com seu vício).

Recuperação e Prevenção de Recaída:


Ninguém se torna viciado porque quer. Mas isso não significa uma via de mão única. Em geral, recuperação é a soma dos pequenos passos nos quais se baseia o controle do comportamento próprio. Para se recuperar, as pessoas precisam aprender a lidar com elas mesmas, a acreditar nelas mesmas. É preciso estar preparado para o tranco da falta e abstinência, estar determinado. Isso leva tempo, meu caro. Acostume-se com a ideia que não vai da noite para o dia.
A meta do tratamento é não ter recaídas. O mais difícil. É parte do processo de recuperação a vontade de voltar ao vício. Mesmo depois de anos do vício vencido, há uma coisa chamada fissura, uma sensação desesperadora de voltar ao vício. A boa notícia é que ela dura por volta de um minuto (eu sei que para quem está sentindo é quase uma eternidade) e desaparece em seguida. Ter a fissura significa que se está no final do processo de detox, não desista.
Para lidar com vícios é  preciso coragem, sobretudo para ser soberano sobre si próprio. A jornada pode parecer longa, mas ninguém disse que seria impossível. 







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