100 Anos
do genocídio armênio.
Hoje, a principal luta de milhões de armênios e não
armênios é pelo reconhecimento mundial das atrocidades cometidas pelos Jovens Turcos durante a I Guerra Mundial como um genocídio. Até agora, mais de vinte
países reconhecem a existência do genocídio armênio. Porém, o Brasil não figura
nessa lista. Todos os anos, na semana do dia 24 de abril, manifestações
públicas em memória das vítimas do genocídio são organizadas em São Paulo, com
o objetivo de dar visibilidade ao acontecimento histórico, à luta do povo
armênio e pedir reconhecimento aos governos de Brasil e Turquia, dentro dos marcos
democrático e pacífico. Como diziam os armênios mobilizados em 2005, “não há
ódio, só mágoa”.
O
panorama histórico do genocídio:
Freqüentemente,
ao tentarem “justificar” o genocídio, muitos turcos alegam uma “traição”
armênia da relação de quase 600 anos entre ambos os povos no Império Otomano.
De fato,
armênios, turcos e outros povos conviveram por séculos no território otomano,
mas essa história não teve um final feliz para alguns desses. Muitos armênios
auxiliaram no progresso cultural, econômico e político do Império. Alguns
membros da comunidade armênia chegaram a ocupar cargos importantes da
administração otomana.
No século
19, o Império foi gradativamente perdendo terreno na Europa, o que levou as
autoridades a temerem a fragmentação total do país caso a onda de independência
atingisse a Ásia Menor. Para evitar a destruição do Império, os Jovens Turcos
alimentaram as idéias de panturquismo, que preconizavam a união dos povos de
raízes turcas (azerbaijanos, turcomanos, uzbeques, etc.). Os armênios, povo não
turco e cristão, eram um empecilho
físico a esse plano. Ademais, ideias nacionalistas oriundas da Europa atingiram
os armênios no final do século 19, tornando-os mais hostis ao nacionalismo
turco e ajudando a organizá-los para resistir às tentativas de turquificação
oriundas de Constantinopla.
Altos
impostos, tratamento desigual, saques constantes e outras situações começaram a
fazer parte do cotidiano dos armênios, que já não suportavam mais ser
considerados cidadãos de segunda classe em suas próprias terras. Algumas vilas
e cidades se rebelaram contra a violência imperial, mas foram rapidamente
sufocadas pelas tropas otomanas. Tais eventos foram usados como justificativa
pelo governo dos Jovens Turcos para atacarem o povo armênio, afirmando que eram
revoltosos e traidores.
Os
massacres promovidos pelo Sultão Abdul-Hamid II:
Mas a
situação extrema entre turcos e armênios não é um acontecimento isolado a
partir de 1915. Já no final do século XIX, muitos armênios foram mortos por
ordens do Sultão Abdul-Hamid II. O governo de Abdul-Hamid II marcou o princípio
do fim do Império Otomano, como também o início do que seria chamada de “Causa
Armênia”. Milhares de armênios seriam massacrados (algumas estatísticas apontam
para 300 mil mortos), o que faria com que o sultão ficasse conhecido como o
“Sultão Vermelho”.
Em um
cenário de perdas de territórios otomanos, o nacionalismo das minorias crescia
pelo país, despertando reivindicações de direitos iguais a todos os povos e até
mesmo de autonomia. O governo otomano entendeu essas manifestações como uma
ameaça à existência do Império. Nos anos 1890, os armênios pediam que as
promessas de reformas do Império Otomano fossem cumpridas, exigindo melhor
tratamento para as minorias e o estabelecimento de uma constituição.
Em 1894,
num cenário de aumento da repressão por parte do sultão, algumas cidades
armênias organizaram autodefesas, como em Sassun, onde partidários do partido
político armênio Henchakian disseminavam idéias de autonomia e resistência. A
Federação Revolucionária Armênia foi outro grupo criado no mesmo período,
também pela autonomia dos armênios otomanos, e teve papel importante na
organização de grupamentos armados que impediam o assalto das vilas e cidades
armênias por grupos curdos patrocinados pelo sultão.
Em
resposta à resistência em Sassun, o governador de Mush incitou
os turcos locais
contra os armênios. O sultão enviou tropas otomanas para apoiarem os grupos
curdos e a violência se espalhou por toda a região. Um dos acontecimentos mais
chocantes ocorreu na cidade de Urfa, onde quase três mil armênios morreram queimados
após a Igreja onde eles estavam abrigados ter sido incendiada pelos turcos.
A maior
parte do massacre de armênios ocorreu entre 1895 e 1897. O Sultão considerava a
matança a melhor maneira de pôr fim à questão armênia e acreditava que poderia
exterminar os revolucionários ou expulsá-los do Império. O governo otomano
fechou instituições armênias e restringiu os movimentos políticos.
Tanto o
sultão, quanto posteriormente os Jovens Turcos, consideravam os armênios como
aliados das potências ocidentais, que buscavam a ruína do Império para dominar
suas riquezas. Essas, por sua vez, consideravam o Império Otomano “o homem
doente da Europa”, utilizaram dos massacres de armênios para enfraquecer a
imagem do sultão e do Império mundo afora. Enquanto pressionavam o sultão por
reformar o Império e torná-lo mais receptivo ao capital europeu, britânicos e
alemães disputavam quem iria construir as lucrativas ferrovias otomanas rumo a
Mesopotâmia.
A queda
do Sultão:
Enquanto
isso, as perdas territoriais continuavam a acontecer e o descontentamento
interno para o sultão só crescia. Em Salônica, um movimento político liberal e
secular se organizava para mudar os rumos da política e otomana e,
eventualmente, remover Abdul-Hamid II do trono. Esse movimento foi a gênese do
Comitê União e Progresso e seus membros, quase todos jovens oficiais do
exército ou filhos de importantes funcionários do governo, ficaram conhecidos
como Jovens Turcos.
Em 1908,
as esperanças armênias por igualdade no Império renasceram quando um golpe de
Estado encabeçado pelos Jovens Turcos destronou Abdul-Hamid II e restaurou a
constituição otomana. Os jovens queriam uma reforma administrativa do decadente
Império Otomano para modernizá-lo ao estilo europeu. O movimento era uma
coalizão formada de dois grupos distintos: os constitucionalistas seculares e
os nacionalistas. Os primeiros, mais liberais, aceitavam o apoio das minorias
como os armênios; enquanto os últimos eram mais hostis aos armênios por conta
dos recorrentes pedidos de intervenção que esses fizeram junto às potências.
Porém, a
situação do Império não melhorou. Territórios continuavam a serem perdidos e a
insatisfação popular não melhorou o que levou os Jovens Turcos a radicalizarem
a sua agenda. A ala nacionalista ganhou espaço dentro do Comitê União e
Progresso e o discurso que pregava a união dos povos turcos contra os elementos
estrangeiros se espalhava pelo país.
Em
reuniões secretas do Comitê, importantes ideólogos e lideranças dos Jovens
Turcos discutiam o destino dos armênios e como eles eram o inimigo interno,
impossível de “turquificar” e cuja existência ameaçava o Império.
Uma
tentativa de contragolpe aconteceu em 1909. Alguns militares otomanos aderiram
a estudantes religiosos com o propósito de devolver o controle do país ao
Sultão e às regras da lei islâmica. Revoltas e combates eclodiram entre as
forças reacionários e as forças do Comitê, até que os Jovens Turcos conseguiram
abafar o levante.
Enquanto
isso, na cidade de Adana, o clima tenso chegou aos bairros armênios, apoiadores
dos Jovens Turcos nos primeiros momentos. Perseguições contra armênios em Adana
e se espalharam pela província, o que motivou a intervenção de tropas
imperiais. Quando as tropas do exército otomano chegaram, em vez de tentar
acalmar a violência, tomaram parte na pilhagem de propriedades armênias na
província. Estima-se que entre 15 e 30 mil armênios tenham sido mortos durante
o “Massacre de Adana”. Após a onda de violência, muitos armênios perderam as
esperanças nos Jovens Turcos e na proposta modernizante que esses pregavam e
iniciaram sua própria luta.
Contudo,
alguns setores da cúpula do Comitê União e Progresso começavam a organizar um
plano secreto contra os armênios a ser implementado em momento oportuno, que
viria a ser o início da I Guerra Mundial. O plano consistia em um grande
massacre, mais organizado e letal que os que já haviam sido registrados na
época do Sultão Abdul-Hamid II. O plano foi planejado, premeditado,
planificado
e sistematicamente executado: desarmar-se-ia a população, retirariam os
intelectuais e lideranças armênias, matariam todos os homens armênios e
far-se-ia as "caravanas para morte!
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